O seu olhar melhora o meu — o potencial da observação de aula

A expressão “O seu olhar seu olhar melhora o meu”, estrofe da música “Seu olhar”, de Arnaldo Antunes, é um bom ponto de partida para iniciarmos este texto. A observação de aula consiste em uma estratégia diagnóstica formativa capaz de fornecer um retrato do modo como as aulas são mediadas, das concepções, dos recursos e das práticas pedagógicas adotadas pelos professores e professoras em suas aulas, e da relação que estabelecem com seus alunos.

Esse processo permite o compartilhamento de trocas e experiências entre observado e observador, colaborando para o desenvolvimento profissional de ambos, pois possibilita buscar caminhos capazes de qualificar o processo de ensino-aprendizagem e o desenvolvimento dos estudantes.

Como a prática educativa deve e pode acontecer em diferentes espaços da escola, a sala de aula é um dos espaços possíveis para que a observação aconteça, mas não o único. Observar os professores com suas diferentes turmas, em variadas situações educativas, nas bibliotecas, salas de leitura ou durante o desenvolvimento de projetos, pode fornecer aos observadores um olhar mais completo sobre os desafios e potencialidades do profissional que está sendo observado.

A observação de aula pode ser empregada na escola com diversas finalidades: diagnosticar um problema, experimentar novas práticas, avaliar o desempenho, formar professores e/ou estagiários, acompanhar a evolução do desenvolvimento de um plano de ação, trocar experiências, coletar boas práticas, fortalecer a relação entre pares e etc.

Na escola, essa metodologia é muito utilizada por gestores escolares. É parte das suas atribuições acompanhar os professores com o intuito de orientá-los, formá-los e construir estratégias que contribuam para o seu desenvolvimento profissional.

Gestores terem contato direto com a sala de aula também apoia na resolução de outras questões do ambiente escolar e dos estudantes, pois permite que o observador se aproxime de desafios que antes só sabia por meio da ótica de outros profissionais, sem necessariamente ter noção da complexidade envolvida.

Outro modelo é a observação entre pares: quem observa, também pode ser observado. Essa é uma ótima estratégia para formar professores iniciantes ou estagiários, e mesmo para professores mais experientes, porque pode possibilitar a interação, a troca de experiências e a descoberta de práticas, abordagens, metodologias e atitudes inspiradoras e mais atualizadas.

Os observadores, seja um estagiário, professor ou gestor, se munido de outras informações e instrumentos adequados, conseguem aprender por meio de outras experiências e conhecer novas abordagens pedagógicas que podem ser incorporadas na sua rotina e disseminadas para outros profissionais.

A observação de aula não é fim, mas sim um dos meios possíveis para coletar informações a fim de subsidiar a construção do plano de desenvolvimento dos profissionais da escola e replanejar processos. Para se ter uma visão mais completa do desempenho do professor, essa prática deve ser contínua e se tornar parte da cultura escolar, contribuindo para que se estabeleça um clima verdadeiramente colaborativo, de parceria e desenvolvimento mútuo.

Conheça três iniciativas em que observar é primordial

New York Leadership Academy é uma escola estadunidense que possui um programa de formação de diretores que prioriza a atuação prática. Entre outras ações, propõe que os participantes passem um ano na escola de um diretor mais experiente.

Uma experiência difundida em países anglo-saxônicas propõe uma metodologia conhecida como “percurso de aprendizagem” (learning walk), destinada a grupos de professores que realizam visitas curtas, de 7 a 10 minutos, em diferentes aulas com focos de observação bem específicas e organizam discussões com os alunos. A cada rodada de observação, o grupo se reúne nos corredores para debater sobre o que foi observado, e após todas as rodadas, organizam uma discussão coletiva com todos os envolvidos, professores observados e observadores e gestores. Os participantes destacam que o percurso ajudou a aumentar a confiança entre o grupo, a aprendizagem e desenvolvimento colaborativo e a visão global que adquirem sobre as formas de aprendizados dos alunos.

No Brasil, o Programa de Residência Pedagógica do MEC, é uma das ações que integram a Política Nacional de Formação de Professores. Um dos seus objetivos é fortalecer a prática dos futuros licenciados por meio da inserção nas escolas de educação básica para a realização de atividades que vão desde a observação do funcionamento deste ambiente até a efetiva intervenção pedagógica.

5 dicas para potencializar a observação de aulas

1. Planeje o momento da observação

O ápice da observação de aula acontece no momento em que a aula está sendo observada, mas o seu planejamento se inicia muito antes. Colete informações sobre o professor que será observado, seu tempo de experiência profissional e como docente nesta escola, conheça as produções e os resultados de aprendizagem de seus alunos, seu plano de aula e outros materiais existentes, como vídeos da sua prática, registros da sua participação nas formações ou reuniões pedagógicas, a opinião dos familiares, estudantes e técnicos, e registros sobre a sua atuação nos processos formativos.

Antes do dia da observação, converse com o professor para combinar a visita e deixar claro o seu propósito por meio do diálogo e do compartilhamento da pauta de observação. Estabeleça combinados sobre o lugar em que o gestor irá sentar, se haverá algum nível de participação, como e em qual momento será realizado o registro, para que o observado não se sinta incomodado e ambos sintam-se confortáveis.

Após atingir um bom nível de maturidade, incentive que o próprio professor sinalize suas fraquezas e os pontos que gostaria que fossem observados mais de perto para determinarem juntos os focos de observação e a organização da pauta

Todos os professores podem e devem ser observados. Identifique, com base nas informações, qual será a periodicidade das visitas considerando os diferentes perfis.

2. Leve instrumentos de registro que apoiem no momento da observação

Pode ser um roteiro ou um questionário que te ajude a direcionar o olhar no momento da formação, o importante é que ele seja elaborado previamente e compartilhado com o professor.

O roteiro deve conter aspectos importantes para o desenvolvimento de uma boa aula, como as transições entre as atividades educativas, o nível de desafio e colaboração provocados pelas atividades, os recursos utilizados, a gestão do tempo, a interação com os alunos, as metodologias de ensino selecionadas, o nível de abertura para a participação dos estudantes e a mediação do professor.

É importante que a sua elaboração também leve em consideração o planejamento do professor, que pode ou não estar registrado no seu plano de aula, para que você possa observar quais aspectos previstos no seu planejamento estão sendo contemplados.

Mesmo que o professor opte por selecionar conteúdos e práticas que o deixem mais confortável perante o gestor, que não necessariamente reflitam a sua prática diária, é possível captar aspectos da aula que dizem muito sobre as suas concepções e crenças acerca dos processos de ensino-aprendizagem. Além disso, o próprio preparo da aula já é um importante exercício formativo pelas etapas de pesquisa e reflexão que ele proporciona.

Durante a observação, faça o exercício de identificar boas práticas pedagógicas que poderão ser disseminadas para o restante da equipe.

3. Observe com abertura e empatia

No momento que ocorre a observação, o olhar que se faz presente deve ser de parceria, não de fiscalização. O gestor que se propõe a observar o professor deve adotar uma postura empática sobre o que observa. Por mais que não haja intervenções durante a mediação do professor, esteja presente de forma amigável e tranquila, adotando uma linguagem corporal e expressões faciais receptivas e atentas. Assentir com a cabeça ou sorrir para o professor são detalhes que podem fazer a diferença nesse momento.

A visita também causa estranhamento aos alunos que, inevitavelmente, mudam o seu comportamento e o foco da atenção. Por isso, reserve alguns minutos no início da aula para que o gestor ou o professor contem para eles de o porquê da sua permanência ali, explicando de forma geral qual é o papel da gestão e os ganhos que toda a comunidade escolar, inclusive eles, poderão obter com esse processo.

4. Analise os resultados coletados

Passado o momento da observação, é chegada a hora de refletir sobre os dados coletados. As informações registradas durante a observação darão um bom panorama das competências do professor.

A observação de aula é uma das possibilidades de estratégia diagnóstica existentes, mas para se ter um retrato mais completo do perfil do docente e suas competências, é importante combinar as informações levantadas nessa visita diagnóstica com as informações coletadas inicialmente, sobre o perfil do professor, os resultados da suas turmas e os registros da sua participação. Por exemplo, se tratando de um professor iniciante, pode ser que ele encontre mais dificuldades para desenvolver a sua aula.

Também é importante refletir sobre como as escolhas temáticas, metodológicas e didáticas realizadas pelo professor corroboram com as expectativas de aprendizagens esperados que sua turma desenvolva e com as necessidades dos estudantes. Para isso, é muito importante que o gestor também se aproprie dessas temáticas.

5. Forneça devolutivas

Esse momento é muito poderoso para tornar o processo de observação de aula completo. Além de possibilitar que os professores se autoavaliem e reflitam sobre suas potencialidades e dificuldades, são compactuadas ações que visam o desenvolvimento e o aprimoramento do professor.

Para que seja possível promover mudanças efetivas, não demore muito para dialogar com o professor sobre o que foi observado.

No início do diálogo, faça um convite para que os professores se autoavaliem, escute com atenção e demonstre interesse pelas dificuldades, problemas e ideias trazidas. Demonstrar abertura na escuta, é uma maneira do professor se sentir confiante para expor os seus sentimentos diante dos desafios da aula.

Saber fazer boas perguntas é fundamental, pergunte objetivamente sobre os porquês das escolhas, quais são as outras metodologias que empregaria, o que faria diferente, as percepções em relação a participação dos alunos e etc.

Lembre-se que o foco não é a pessoa e sim o que se observa. Não personalize esse momento ressaltando os atributos do professor fora da aula, tente enxergá-lo dentro do contexto que foi observado. Essa atitude o ajudará a fazer críticas e apontamentos construtivos capazes de apoiar a sua autorreflexão.

Complemente a reflexão do professor trazendo referências que conectem com as suas práticas e que ajudem a qualificar o diálogo. Realce seus pontos fortes e depois as fragilidades observadas. Os elogios podem mobilizar, engajar e incentivar o professor a buscar e experimentar novas estratégias.

Proponha intervenções que contribuam com o seu desenvolvimento, que podem abarcar desde uma orientação para a realização do plano de aula, até um percurso formativo que contemple suas necessidades de desenvolvimento. Deixe claro para o professor que as trocas e conversas podem acontecer nos momentos cotidianos e não apenas nas devolutivas formais e não deixe de acompanhar o desenvolvimento dos planos de ação e o impacto deles em suas práticas e no aprendizado dos estudantes.

Por fim, ressaltamos que refletir e dialogar a partir da própria experiência e pensar em novos caminhos possíveis possibilita um envolvimento ativo na construção do currículo que se quer materializar na escola, possibilitando ainda a construção de novos conhecimentos e práticas.

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Equipe

Priscila Oliveira

Formada em Ciências Sociais com Especialização em Políticas de Promoção da Igualdade Racial na Escola, trabalha com Educação desde 2013 atuando com currículo, formação de professores e avaliação, com experiência no terceiro setor e no setor privado.

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