Comunicação não violenta: aplicação na primeira infância

— Deixa de birra!

— Ele é um aluno problemático.

— Devolve, é meu!

Certamente você já ouviu ou disse frases similares a essas no contexto escolar. Apesar de comuns, essas falas, no final das contas, não resolvem os atritos que surgem em sala de aula – e ainda despertam sentimentos de culpa, medo, vergonha e mágoa, tanto nos professores quanto nos alunos. Acostumados a nos expressar de modo violento, ignoramos o quanto as palavras afetam nossos relacionamentos com familiares, com colegas de trabalho e também com as crianças na escola.

Se os pequenos gritam, as brigas são frequentes e é difícil ter paz, o problema é, também, comunicacional. A boa notícia é que é possível melhorar as relações em sala de aula por meio da Comunicação Não Violenta (CNV), uma técnica comunicativa baseada na empatia que irá ajudar as crianças a se expressarem melhor e trabalharem juntas para resolver os conflitos.

O que é Comunicação Não Violenta?

A CNV surgiu nos anos 1970, nos Estados Unidos, quando escolas e universidades começaram a abandonar o modelo de segregação racial que vigorava até então. Nesse período tenso da história do país, o psicólogo Marshall Rosenberg atuou como orientador educacional, mediando conflitos em instituições de ensino. Além disso, quando criança, ele foi agredido na escola por ser judeu.

Intrigado com tudo que vivenciou, o psicólogo começou a investigar por que algumas pessoas tinham uma tendência a julgar e a exigir punição para as demais, enquanto outras eram compassivas. Ele descobriu que os dois grupos usavam linguagens bem diferentes no dia a dia: enquanto os primeiros utilizavam palavras de defesa, recuo e ataque, os últimos se expressavam de forma mais positiva e empática.

Rosenberg criou, então, a Comunicação Não Violenta para reformular a maneira agressiva como nos comunicamos sem nem perceber. De acordo com o psicólogo, isso é possível quando deixamos de acusar e julgar os outros por ações que não concordamos e dizemos como nos sentimos diante deles. No livro em que trata do assunto, ele afirma que a CNV:

Nos ensina a observarmos cuidadosamente (e sermos capazes de identificar) os comportamentos e as condições que estão nos afetando. Aprendemos a identificar e a articular claramente o que de fato desejamos em determinada situação. A forma é simples, mas profundamente transformadora.

Como funciona?

Para colocar a Comunicação Não Violenta em prática, Rosenberg criou um processo de quatro componentes que devem ser considerados no modo como falamos e em como escutamos.

  • Observar sem avaliar: primeiro, observamos a situação, sem julgar. Por exemplo: se uma criança volta a ter um comportamento pelo qual já foi advertida, é melhor dizer algo como “Esta é a terceira vez que te digo para não fazer isso” do que “Você só causa problemas”. No primeira fala, você considera o que de fato está ocorrendo. Já na segunda, transforma uma situação particular num rótulo (aluno problemático).
  • Identificar sentimentos: em seguida, expressamos como nos sentimos. Dialogar a partir dos sentimentos desarma uma resposta hostil e expressar vulnerabilidade ajuda a resolver impasses.
  • Assumir responsabilidade e as necessidades: o terceiro passo é reconhecer as necessidades que estão por trás dos sentimentos, lembrando-se que cada um é responsável por suas próprias emoções. Quando apontamos e conversamos sobre o que de fato precisamos, fica mais fácil buscar uma solução em conjunto.
  • Pedir objetivamente: por fim, é preciso formular um pedido pontual, em linguagem positiva, evitando frases vagas, abstratas ou ambíguas. Quanto mais claros formos sobre o que queremos como retorno, melhor.

Aplicando as etapas no primeiro exemplo, o professor poderia dizer:

Esta é a terceira vez que te digo para não fazer isso (observação) e eu me sinto desrespeitada quando você se comporta dessa maneira (sentimentos), porque espero ser ouvida e entendida (necessidade). Gostaria que você se esforçasse para participar da atividade (pedido claro).

Aplicando a CNV na primeira infância

Na escola, dá pra usar a Comunicação Não Violenta ficando atento ao modo como você se dirige às crianças e em como elas interagem entre si. Se uma discussão surgir, é importante garantir que todas as partes falem e se escutem. Peça para que elas digam o que sentem e que confirmem o que os colegas estão dizendo, perguntando algo como “O que a Ana acabou de dizer, turma?”.

Além de prestar atenção às relações do dia a dia, promover uma educação socioemocional, com atividades práticas para ajudar os alunos a expressar o que sentem, a escutar, a perceber que rótulos são prejudiciais e a entender que todos têm necessidades também ajuda. Em rodas de conversa, estimule os pequenos a falarem o que sentem. Criar uma tabela de sentimentos para que eles consultem durante os conflitos é outra boa ideia.

Com tantas coisas para prestar atenção, aplicar a técnica em sala de aula pode parecer uma tarefa impossível, mas não é! A Comunicação Não Violenta depende da atuação ativa do professor, mas você não precisa ficar preso aos passos, medindo cada palavra que diz e que escuta. O importante é ter os quatro componentes em mente sempre. Segundo o próprio Rosenberg, a essência da CNV não está propriamente nas palavras trocadas e dá para colocá-la em prática mesmo sem falar nada.

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Equipe

Isabela Farias Morais

Graduada em Jornalismo pela USP, trabalha com produção de conteúdo desde 2013, com passagens pelas revistas Espaço Aberto, Carta na Escola, Escola Pública, Guia do Estudante, entre outras. Também trabalhou como  conteudista do portal DIVERSA, produzindo material sobre práticas de educação inclusiva pelo país.

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