Na voz do educador: Competências Socioemocionais na Prática

A infância e a adolescência são as fases em que os indivíduos estão se descobrindo, construindo suas subjetividades e processando, a todo instante, os estímulos e informações que lhe são apresentados. Normalmente, é no ambiente escolar que a maior parte desses processos acontecem, visto que é também neste ambiente que as crianças e adolescente têm a maior concentram suas experiências de socialização e, tendo isso em mente, trabalhar as Competências Socioemocionais em sala de aula se faz uma tarefa essencial no desenvolvimento humano e escolar dos estudantes.

No ano de 2020 muito se falou sobre as Competências Socioemocionais, essa não é necessariamente uma prática nova, mas mostrou-se um componente curricular importante durante as aulas virtuais em tempos de isolamento social. Muitos de nós precisamos adaptar nossa prática para incluir esse conceito. Hoje nosso objetivo é descomplicar essa prática.

Trabalhando as competências socioemocionais na prática

Para exemplificar uma forma simples de trabalhar essa competência em suas aulas, sendo possível aplicar esse método também no ensino remoto, entrevistamos o professor Fernando Rosa (@fernnandorosa) que é licenciado em História pela UFMG, mestre em História também pela mesma Universidade. Ele atuou como professor na Escola Estadual Pedro II por 7 anos e hoje é Vice-Diretor na mesma instituição. Na escola, além de muito querido, Fernando é conhecido por suas diferentes iniciativas pedagógicas que despertam o interesse e dão protagonismo para os alunos no processo de aprendizagem.

Confira a seguir a nossa entrevista com o professor e entenda um pouco melhor da sua metodologia, inspirações e resultados:

Pergunta: Fernando, qual nome você dá a sua prática e como você a descreveria para os demais professores?

Resposta: Na época, chamei de “chamada emocional” e a princípio era uma estratégia para gerar um sentimento de afeição entre toda classe de estudantes. Sabemos que ninguém está feliz todos os dias e que isso afeta os estudos, a atenção durante uma aula, e às vezes é legal falar sobre isso. Daí veio a ideia de padronizar os sentimentos mais comuns e atribuir uma cor, tudo feito em coletivo com os alunos, tipo: Triste=azulfeliz=amareloraiva=vermelhopreguiça=verde; etc. Durante a chamada, os estudantes respondiam pela cor dos seus sentimentos naquele dia, ao invés do usual “presente”. No fim da chamada, o professor também falava qual era a cor dos seus sentimentos e os estudantes ficavam surpresos quando eu dizia que estava “verde”, por exemplo. Haviam uma humanização da sala de aula e os estudantes ficavam realmente mais à vontade. Como houve esse momento em que os sentimentos dos alunos naquele dia fossem reconhecidos e fossem colocados como algo importante, havia mais espaço e proximidade para chamar esses estudantes para a aula, para demostrar como o conhecimento leva a gente para outros lugares e, também, é uma zona de prazer que precisa ser explorada. Alguns estudantes me diziam que começaram a aula verdes ou azuis e que terminaram amarelos, porquê a aula tinha sido legal.

Pergunta:  A princípio, você encontrou resistência de alguns estudantes em responder a chamada da maneira proposta? Se sim, como se deu o processo de convencimento desses (se é que foi necessário)?

Resposta: Não houve nenhuma resistência por parte dos alunos do Ensino Fundamental II, eles se mobilizaram e passaram a adotar a linguagem das cores, a ponto de falar sobre isso em outras aulas: “desculpe, professora! Hoje eu estou azul…”. Eles abraçaram a dinâmica na verdade, se apropriaram dela e até mesmo estudantes que não me tinham como professor começaram a sugerir que seus professores também fizessem essa dinâmica.

Pergunta: Quais observações você pode ter a partir das respostas dos estudantes?

Resposta: Indisciplina é uma terminologia extensamente usada para referir-se à alunos desatentos, falantes, agitados, desrespeitosos e por aí vai. Mas é algo que simplifica demais os estudantes. Existem dimensões do contexto emocional que alguns querem que fique de fora da sala de aula, mas que não fica. O que percebi na minha prática docente é que a sala de aula precisa ser um espaço acolhedor para os estudantes, algo que parece óbvio para todos os professores e infelizmente não é. Claro que não temos formação nem espaço para atuar como psicólogos ou assistentes sociais. Mas o que não deve faltar à uma aula é afeição! Os professores devem sim investir num relacionamento afetivo, responsável e cuidadoso com os seus estudantes; deve haver uma relação de confiança no mínimo necessário para que os estudantes se sintam ouvidos minimamente pelo professor e assim possam ouvir também. Sala de aula é um lugar onde as emoções se mostram, seja no silêncio ou na algazarra total. Não é um ambiente de terapia, mas reconhecer essas emoções, dar espaço para que eles sejam nomeados é uma oportunidade para que elas se harmonizem um pouquinho que seja e isso só acontece quando os estudantes percebem que existe ali um movimento de respeito sobre o que eles estão sentindo. Nesse ambiente de afeição e respeito de todos com todos, a aula consegue chegar a níveis altíssimos de aprendizagens!

Pergunta: Na sua opinião, foi possível contribuir para uma melhor percepção e controle emocional dos alunos a partir dessa prática?

Resposta: Não diria “controle emocional”, é mais uma maneira de reconhecimento das emoções. Tudo bem estar com preguiça, com raiva, triste ou feliz, o professor também tem esses mesmos sentimentos. A dinâmica contribui para uma honestidade nas relações durante às aulas, todos sabem como o outro se sente naquele dia. As vezes a sala está toda verde, inclusive o professor. Aí é hora de pensar numa dinâmica diferente, mais tranquila. Agora, se todos estão amarelos e há uma disponibilidade enorme de energia, podemos então pensar numa outra estratégia de aula, com mais conteúdo, atividades de fixação, etc.

Pergunta: Durante o período em que você utilizou o método, houve algum estudante que apresentou uma frequência de emocionais que despertasse preocupação? Se sim, como você agiu frente a essa situação?

Resposta: Um dos grandes trunfos da Chamada Emocional é na verdade identificar os alunos que estão apresentando uma aprendizagem baixa e tentar entender se há algo externo provocando isso. Há também uma tentativa de defender o aluno quando, nos conselhos de classe, aparecem as formas simplistas de “indisciplinado” para se referir a ele. As vezes o aluno demostra uma agitação, mas na chamada está uma linha azul enorme, demostrando que ele esteve com sentimento de tristeza durante todo o bimestre. Chamar a família e cobrar apenas a proficiência nos estudos do estudante não é uma maneira inteligente tentar resolver à situação. É necessário identificar os vários fatores que competem para o baixo rendimento escolar e em muitos casos é necessário que o estudante tenha um acompanhamento psicológico especializado. Já tive oportunidades de conversar com responsáveis por algum estudante, apresentar a Chamada Emocional e mostrar quais foram os sentimentos descritos pelo aluno ao longo do bimestre. As vezes a família explique houve algo de fato que provocou essa tristeza ou, até em muitos casos, é uma novidade. Aí sim, abre mais espaços para ajudar o estudante a reencontrar o caminho da aprendizagem com a ajuda de mais especialistas.

Pergunta: Por quanto tempo foi possível aplicar o método? Você acredita que é viável que essa seja uma prática permanente?

Resposta: O método foi usado durante todo ano letivo e pode sim ser uma prática permanente. Os estudantes realmente gostam dessa estratégia e se apropriam dela. Fica praticamente impossível deixar ela de lado. Os estudantes cobram que se faça a chamada assim em todas as aulas.

Pergunta: Por fim, como você observa a correlação entre inteligência emocional e aprendizagem?

Resposta: Não sou especialista no assunto, mas pelo que vejo com minha experiência como professor e estudante é que a relação é diretamente proporcional e levar em conta os sentimentos e emoções é abrir o espaço para que o estudante seja sujeito do seu processo de aprendizagem. É nesse coletivo de reconhecimento, respeito e afeição que se torna possível construir uma Educação Libertadora, assim como nos ensinou Paulo Freire.

 

Você, professor ou professora, pode encontrar diversos materiais que vão lhe apresentar a teoria – Inclusive, se quiser se aprofundar nesse assunto recomendamos a live “Construção e execução de projetos de vida e Competências Socioemocionais” disponível no canal PROFS Educação,  ­– porém, sempre nos desenvolvemos e crescemos mais com as experiências de nossos colegas.

E você, como trabalhou as Competências Socioemocionais com seus alunos ao longo desse ano?

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Equipe

Marianne Braga

Formada em História pela UFMG, pós-graduanda em Psicopedagia na PUC-Minas. Atua na produção de conteúdo didático, conteúdo destinado a formação de professores e como professora de História.

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