A educação superior e a democratização do ensino: reflexões necessárias

Nos últimos meses, a democratização da educação brasileira tem sido ponto recorrente de debate, muito em função dos tempos pandêmicos que vivemos, perpassados pelo fechamento temporário de espaços escolares e pela mudança para um sistema de ensino remoto, que procura dar conta de minorar as perdas de uma paralisação completa da educação, mas que esbarra na desigualdade de acesso à internet. O efeito dos tempos escancara entraves que há muito persistem no cenário educacional e que, de fato, merecem ser discutidos.

Falar sobre democratização do Ensino no Brasil, desde sempre, implica falar sobre chagas sociais brasileiras e o tema abre-se tanto para a Educação Básica quanto para a Educação Superior – mas, se na Educação Básica as políticas públicas ancoram-se na obrigatoriedade da oferta de ensino a todas as crianças e jovens em idade escolar (que, sabemos, por si só não é responsável por garantir a eficácia do ensino, mas é um ponto de partida), na Educação Superior o buraco é ainda mais embaixo: não há obrigatoriedade, a oferta é insuficiente e as formas de ingresso não são unificadas – embora haja a tentativa de unificação, por meio da utilização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que é atualmente a principal forma de acesso ao Ensino Superior brasileiro.

No Brasil, segundo o Censo da Educação Superior 2018¹, 88,2% das instituições de Ensino Superior são privadas e apenas 11,8% são públicas. Considerando que, em 2019, o IBGE² apontou que um quarto da população brasileira ainda vive com menos de R$420,00 por mês, é compreensível que, segundo os indicadores da OCDE³, apenas 21% dos jovens entre 25 e 34 anos tenham concluído o Ensino Superior.

É a esse cenário caótico que respondem as mudanças em tradicionais vestibulares públicos brasileiros, a que precisamos estar atentos, para orientar nosso alunado que ainda esse ano encerra o percurso da Educação Básica e busca continuidade nos estudos formais.

No Estado de São Paulo, temos o pulsante exemplo da Unicamp, que já há alguns anos vem apresentando uma série de mudanças para ingresso, objetivando maior democratização do acesso, como:

  • Aumento de vagas oferecidas pelo Vestibular Indígena, a ampliação da bonificação ofertada pelo Paais (Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social), e a presença das cotas étnico-raciais de ingresso, com o objetivo de ampliar a diversidade étnico-racial e social entre os estudantes da universidade, proporcionando reparação para parte da população historicamente excluída;
  • A seleção por Vagas Olímpicas, que busca valorizar habilidades dos estudantes que não são avaliadas por meio das provas tradicionais de vestibulares;
  • E o ProFIS, curso de Ensino Superior voltado para estudantes que cursaram o Ensino Médio em escolas públicas de Campinas, cujo ingresso se dá com base nas notas do Enem e o currículo é voltado para uma visão integrada do mundo contemporâneo, capacitando os estudantes para as mais diversas profissões – após a conclusão do ProFIS, o aluno pode ingressar, sem vestibular, em graduações da Unicamp.

Para este ano, a Comissão Permanente para os Vestibulares da Unicamp (Comvest) anunciou mudanças na primeira fase do Vestibular de 2021, como a redução do número de questões e do tempo de prova, a realização das provas em datas diferentes de acordo com a área do curso escolhido e a redução das obras de leitura obrigatória – medidas que pretendem evitar sobrecarga dos estudantes e diminuir situações de aglomeração, levando em consideração o momento de emergência sanitária ocasionado pelo Covid-19.

Outros vestibulares também têm anunciado medidas extraordinárias e o próprio Enem recentemente esteve em consulta pública sobre a data de realização das provas, que pode ocorrer ainda em dezembro de 2020, janeiro ou maio de 2021.

É claro que, para atingirmos a tão sonhada democratização, ainda há muito à percorrer – suporte das instituições de ensino e de seus atores (agentes de ensino, alunos e famílias) por parte do poder público, condições econômicas e profissionais, parâmetros de qualidade educacional, avaliações significativas e pertinentes, currículos que tragam foco no desenvolvimento integral dos estudantes etc. são apenas alguns pontos que devem ser levados em consideração para a continuidade deste debate. No entanto, nós, educadores, devemos também estar atentos às mudanças que podem impactar nossos alunos – como é o caso dos avanços dos vestibulares em direção a ampliação de acesso ao ensino superior.

Dentro das salas de aula, a atenção a essas modificações pode (e deve) transformar-se em prática, não somente no sentido de divulgar e propagar informação, embora também nesse sentido. É importante que, além de um alinhamento à Base Nacional Comum Curricular – que pretende garantir uma unidade ao que é essencial, tendo em vista um processo de ensino mais equiparo e igualitário e que tem sido levada em consideração para medidas do poder público –, professores e colégios estejam atentos às demandas da contemporaneidade em relação a parte diversificada de cada currículo, ao que é peculiar e complementar a cada realidade (afinal, para democratizar, é importante equidade, isto é, lidar com condições, ferramentas e situações diferentes para objetivos diferentes, com a adaptação da regra à situações concretas). No Ensino Médio, o trabalho com itinerários formativos e projeto de vida já traz essa visão de desenvolvimento.

E quando voltamos a falar sobre o acesso ao ensino superior, essa adaptação para a prática deve se dar como aderência não somente ao que está sendo cobrado pelos vestibulares de interesse, mas principalmente em como essa cobrança se traduz. Simulações são importantes ferramentas para dar conta disso. Para alunos que objetivam ingresso por meio de medalhas em olimpíadas do conhecimento, por exemplo, isso se relaciona com a leitura dos editais, e com conteúdos e habilidades semelhantes aos das provas sendo treinados e desenvolvidos pelos grupos. Para estudantes que objetivem ingresso por meio do Enem, é importante conhecer as habilidades que são esperadas, o formato de questões, as situações de prova – o Simulado SOMOS Enem é um exemplo de como esse princípio vem sendo seguido na companhia.

O trabalho com esse tipo de avaliação não deve finalizar na aplicação: é importante que saibamos lidar com os resultados para nos replanejarmos e subsidiarmos nossos alunos, identificando fraquezas e pontos de destaque, direcionando planos de estudo e trabalhando com competências de autorregulação e autoconhecimento, mais voltadas para o socioemocional, por exemplo.

Nosso movimento, portanto, deve ser de atenção e participação ativa, sempre que possível, buscando auxiliar os estudantes nessa passagem pela educação formal para que, quem sabe, dentro de alguns anos as pesquisas estatísticas nos tragam dados mais animadores.


¹ Disponível em: http://download.inep.gov.br/educacao_superior/censo_superior/documentos/2019/censo_da_educacao_superior_2018-notas_estatisticas.pdf. Acesso em 30 jun. 2020

² Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9221-sintese-de-indicadores-sociais.html?=&t=downloads. Acesso em 30 jun. 2020

³ Disponível em: https://read.oecd-ilibrary.org/education/education-at-a-glance-2019_f8d7880d-en#page10. Acesso em 30 jun. 2020

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Equipe

Marina Fortes Certificado

Atualmente é analista de Currículo e Avaliação pela SOMOS Educação e produz conteúdos na área educacional.

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