O futuro. Pensar na educação infantil com expectativas que olham para as potências a serem desenvolvidas pelas crianças, a partir de parâmetros adultos, é egocêntrico e irresponsável. Expectativa, essa, de uma superação do que nós somos enquanto indivíduos. Como é mesmo que dizem? Educar no hoje para refletir no amanhã.
Egocêntrico. Aprisionar a infância no tempo é afirmar silenciosamente que há uma completude no ser que já foi alcançada por nós. Como se houvesse uma escada da vida e estivéssemos um degrau acima. Degrau que rapidamente transforma-se em pedestal, fortalecido pela ideia de aprendizado através da imitação.
Nós, adultos educadores, somos exemplos a serem seguidos? Mesmo despidos de qualquer moralidade, realmente nos achamos imitáveis para assumir a responsabilidade de educar? Nossas condutas, nossos medos, nossos vícios, nossas manias, nosso cotidiano, nossas palavras, nossas paixões, nossos posicionamentos políticos, nossa sexualidade… são tão belos que se tornam dignos de imitação? Em outras palavras… o que sentimos na auto-colocação em um espaço propício a tornar-nos o referencial, o admirável?
O que tenho como algo “certo” para mim (como ceder a pedidos, em sala aula, feitos por meninos de 3 anos para que lhes passe batom e depois comparar nossos sovacos e pernas, repetindo insistentemente que mulheres adultas têm pelos; ou ensinar uma menina a se defender fisicamente — o que se converte algumas vezes em um grande soco nos meninos) é mais certo do que acreditam os defensores da “boa conduta”?
Não sei. Mas é apenas o que percebo como indivíduo. É, também, como diz Pedro, 4 anos, sempre que entramos em algum embate:
Giulia, você não sabe de nada. Você não sabe de onde vem o céu.
Pê, eu reconheço que realmente não sei nada de nada, aprendi isso com você. Tento de verdade compreender minha própria podridão assim como meuslindos azuis internos para não projetar um “eu-melhor” em sua imagem. Não despejar em seus ombros a idealização de algo que não sou para que haja um amanhã mais bonito de se viver. É irresponsável fazer isso com você. Com a Djenifer, Gabriela, Israel, Caique, Vitinho… com todos. Tiro o meu cavalinho da chuva do presente. Caio em um sentimento de derrota e deposito no depois a minha esperança de ver um mundo que sofra menos. Mas eu não quero ser pessoa viva-morta. Estagnada.
Vou te dizer que é difícil viver nesse mundo que querem que a gente viva. A gente chega do nada aqui, enfiam tanta coisa em nossa garganta que depois vomitamos pela língua. É triste porque não escutam nossa voz nesse processo. Acredita que tentam até colocar o tempo em potinhos?
Nos separam, nos rotulam em grandes e pequenos. Ignoram que já somos nós mesmos. Pequenos e grandes… Sabe, Pê, essas palavras me lembram sempre da controvérsia percebida por sua amiga Mariah, no auge de seus 3 anos:
Adultos são crianças grandes que mandam e as crianças são adultos pequenos que brincam.
Posso te contar mais uma coisa que senti com meu corpo? Há habitantes velhos da Terra que jogam o “Jogo da Imitação” com os recém-chegados no primeiro setênio (primeira infância ou como quiserem nomear os primeiros anos de contato com esse mundo), que não permitem o aprender das regras dessa brincadeira com equidade, muito menos permitem mudá-las. Ganham o Jogo que inventaram. Mas perdem em respirar somente na pequena redoma de suas antigas crenças. Essas são as pessoas-pedra. Não se permitem movimentar.
Mas, então… quem sou eu enquanto educadora para dizer como aprender as regras dessa jogatina? Mediar, apresentar o mundo como acho que ele é, como me mostraram, não como eu sonho. Eu não sei de nada.
É egoísmo não perceber as crianças no agora, querer educar para um mundo que não existe. Algumas vezes é preciso frustrar. Mostrar o tal do limite. Caixinhas de comportamento que eu não suporto, mas enquanto não criarmos o nosso acordo em que elas participam, criarmos o nosso lugar no meio do mato, ainda responderemos ao Jogo.
Gabi, eu não posso te deixar andar pelada na escola por mais que eu também quisesse andar pelada. Não por nós, mas por outros que podem nos machucar. Também não gosto quando tiram coisas de mim, eu choro. Mas não posso bater no outro. Nós não podemos. Ou pelo menos, não deveríamos. Não para aqueles que comandam o Jogo. Infelizmente não perguntaram se queríamos participar da brincadeira, desse contrato, desse pacto.
Podemos não saber de nada juntos, crianças e educadores. Embarcar num barquinho de papel em direção a aventura de viver, juntando os nossos não saberes em uma investigação muito atenta sobre o que nos envolve. Detetives do agora. Sempre perguntando o porquê das coisas. O que descobrirmos é nosso, é nosso jogo dentro do Jogo.
Não quero me curar na infância, fantasiando uma realidade mais suportável. Muito menos entender a infância como um espaço de traumas, e que tenho a responsabilidade como educadora de fazê-los mais suportáveis. Não é nada disso. Ainda que muito importantes as primeiras matrizes e as suas reverberações no agora, o deslocamento da vida permite o tempo todo dar outro sentido a imagens antigas. Mudar as estruturas fundadoras. Não sou tão importante assim.
O que eu anseio na educação é companhia para (re)descobrir significações. Criar matrizes em um dia para que as quebremos no outro, permeando com ritmo os movimentos do cosmos através da construção e reconstrução dos nossos achismos, das nossas ideias sobre que é o mundo.
Com ajuda da fada Amizade, descermos o degrau e caminhar lado a lado. Destruir a escada da vida para construir um escorregador para o infinito da espontaneidade, sendo guiados no caminho pelo afeto e pela arte que nos vinculam como companheiros do agora. Somos todos navegantes no barco, participantes que trocam o que sabem e o que são no momento.
Ensinou-me uma grande companheira, Luz, de 4 anos:
Amanhã eu fui hoje.
Somos e estamos em movimento. Então que brinquemos juntos.