Slam!
A palavra é uma onomatopeia utilizada no inglês pra representar algo como um bater de palmas, e é o nome dado as batalhas de poesia que se espalham Brasil (e mundo) adentro. Adentro e abaixo, já que é nas periferias do hemisfério sul do mundo que essa ferramenta-comunidade-ação mais tem ganhado espaço.
Slam (ou Poetry Slams) são batalhas de poesia falada que surgiram nos anos 1980 nos Estados Unidos. Muitos chamam de “esporte da poesia falada” e, como aparece no documentário recém-lançado Slam: Voz de Levante, o responsável por organizar o primeiro Slam, Marc Kelly Smith, alega que resolveu utilizar da lógica da competição como forma de chamar atenção para o texto e performance dos poetas.
O que ocorre em um Slam é semelhante ao que acontece nos saraus, porém com algumas regras simples:
- Poesias autorais (decoradas ou lidas na hora) de até três minutos;
- Proibição da utilização de figurino, cenário ou instrumento musical;
- São escolhidos, aleatoriamente, cinco jurados na plateia que serão os responsáveis por dar notas de zero a dez. Leva a competição aquele que tiver a maior nota.
No Brasil, o Slam chegou em 2008, por intermédio da artista Roberta Estrela D’Alva, através do ZAP! Slam (Zona Autônoma da Palavra) na cidade de São Paulo. Não demorou para que viesse então o Slam da Guilhermina, que ocorre na periferia de São Paulo, lado leste do mapa, e tantos outros que foram surgindo, como: Slam Capão, Slam da Norte, Slam Paz em Guerra, Slam Resistência, Slam Caruaru, dentre muitos outros.
Hoje, no estado de São Paulo, estima-se que há cerca de 50 Slams. O movimento se espalhou pelo Brasil e, na estimativa geral realizada em 2018, havia cerca de 150 comunidades de Slam no país todo, sendo que em praticamente todos os Estados há pelo menos um.
A partir disso se estrutura um circuito de competição: cada Slam, ao encerrar seu ciclo no fim do ano, promove uma final que vale uma vaga para o Campeonato Estadual (SLAM SP, SLAM MG, SLAM RJ, SLAM BA, etc.) e este leva seu(s) representante(s) para o Campeonato Brasileiro de Poesia Falada – SLAM BR. É do Slam BR que sai a pessoa para competir no Campeonato Mundial que acontece na França. A poeta que o Brasil enviou em 2019 foi a mineira Pieta Poeta.
Muito mais do que só palavras
Durante muito tempo – e talvez ainda até hoje, em alguns momentos e espaços – se entendeu a poesia como algo elitizado, limitado aos círculos acadêmicos, porém, aquilo que aqui chamamos de literatura periférica ou marginal (marginal em relação a qual centro?) ou qualquer outro nome que é dado para essa poesia produzida nas favelas e periferias das cidades brasileiras, tem mostrado uma outra cara para a poesia escrita e falada.
O movimento dos Slams pegou carona no que já vinha sendo construído pelos Saraus, como o Sarau da Cooperifa ou o Sarau Elo da Corrente, e ajudou a espalhar esse vírus da literatura em ruas, praças, bares, universidades e escolas.
Essa ferramenta que é o Slam, além de ser uma impulsionadora de empoderamento individual, de superação de barreiras como a timidez ou mesmo a falta de espaço para expor sua poesia, é também uma ferramenta de organização política coletiva. O movimento é hoje um forte aliado das causas sociais, um grande propulsor de visibilidade para as pautas negras, indígenas, LGBTQI+, feministas, pessoas com deficiência, anticapitalista, ambiental, etc.
O Slam é um espaço livre para se falar do que quiser: dor, amor, natureza, família; esses temas relacionados à sociedade são muito recorrentes nas poesias: o próprio surgimento de Slams voltados para um público específico é uma prova da capacidade de organização coletiva em torno da palavra. Entre alguns exemplos, estão:
- Slam das Minas, onde apenas mulheres podem batalhar;
- Slam Marginália, onde apenas travestis, pessoas trans e gênero-dissidentes podem batalhar;
- Slam do Corpo, protagonizado por surdos, ouvintes e intérpretes;
- Slam des Surdes, onde apenas pessoas surdas batalham, não havendo intérprete.
O Slam no espaço escolar
Para além de palco, microfone e competição, o Slam também se configura como um espaço livre, educativo e democrático de fala e escuta; não é à toa o seu sucesso entre jovens e adolescentes. Seja através dos vídeos no YouTube e Facebook, seja pela presença nas batalhas ou nas diversas oficinas realizadas por poetas nas escolas, a palavra poesia ganhou um outro significado para muitos estudantes.
Esse namoro entre a escola e o Slam levou a criação do Slam Interescolar em São Paulo, que é um circuito de batalha de poesia que ocorre em rede nas escolas públicas de São Paulo. Para além disso, há diversas escolas que utilizam o Slam como ferramenta pedagógica ou mesmo os trabalhos dos poetas dos Slams e saraus como referência nas aulas.
Uma escola na rua, uma ágora contemporânea, um esporte, uma comunidade, uma forma de expressão… O Slam é tudo isso e algo mais. Em tempos de defesa da democracia, defender e difundir o direito à palavra é um dever, e é pra isso que os Slams têm servido.
Grande é a importância de um espaço de voz para pessoas que têm sua voz negada em quase todos os outros, e de um espaço de escuta numa sociedade desacostumada a ouvir e aprender – com os mais velhos ou com os mais novos. A competição é o pano de fundo para esse fenômeno que se alastra e se levanta, aprendendo e ensinando uma velha lição que é incansavelmente repetida por diversos poetas: a poesia salva.
Final do SLAM INTERESCOLAR SP 2018 – EMEF Henrique Pedado