ONG ‘ensina’ empatia e autoconhecimento para alunos de escolas públicas de SP

Reconectar-se consigo mesmo, com o outro e com o mundo. Essa é a proposta da ONG Fly Educação, criada há quatro anos pela venezuelana Alejandra Yacovodonato, 27, que deixou seu país por conta da situação política e econômica e investe no empreendedorismo social no Brasil.

A Fly desenvolve liderança por meio das competências socioemocionais em alunos estudantes de escolas públicas. Em dois anos, mais de 2 mil alunos dos três anos do ensino médio foram impactados, todos na região da Brasilândia, na zona norte de São Paulo. O projeto, batizado de Semente, promove rodas de conversa e oficinas práticas durante quatro meses. Neste ano, foram atendidas seis escolas. Para 2019, a expectativa é chegar em 34 unidades.

“Não tenho palavras para descrever o que é poder compartilhar coisas tão simples, mas que mudam tanto sua vida”, diz Alejandra, que sonha em fundar uma escola. “Trabalhei como executiva em uma empresa de tecnologia, mas me sentia vazia. Como ainda não consigo ter uma escola, criei a Fly porque acredito que a educação é o que transforma as pessoas e vai mudar o mundo.”

Para desempenhar as atividades, Alejandra conta com uma equipe de 20 voluntários. Os que estão à frente do trabalho nas escolas são chamados de “professores (as) diferentões (onas)”. Antes de iniciar o projeto, a equipe da ONG e a direção da escola se reúnem para o mapeamento, uma espécie de diagnóstico que traça os principais problemas da escola.

Uma das professoras diferentonas é a publicitária Catarina Erin Maia, 25. Ela cursa pedagogia e encontrou a Fly ao buscar uma oportunidade de fazer um trabalho voluntário no ramo da educação.

Quando vi o projeto, achei super importante. O que mais interessou foi pensar que gostaria ter tido acesso a esse tipo de conteúdo quando era aluna de escola pública. Se tivesse mais autoconsciência teria feito escolhas profissionais mais adequadas às minhas pretensões.

Catarina conta que nas aulas também pode trabalhar as próprias crenças. Ela costumava deixar o ambiente mais livre e aberto achando que iria agradar os adolescentes, mas em um dos feedbacks ouviu que eles preferiam um espaço mais delimitado, com limites mais claros.

Foi uma desconstrução impactante de como essa juventude pede limites e entende isso como cuidado.

Para a professora, foi muito recompensador ver que os participantes assimilaram conhecimento e aprenderam a reconhecer emoções. “No encontro de feedback, as frases, as reflexões eram sempre voltadas para união, amizade, características que eu prezo muito. Fiquei feliz de ter visto o que eu consegui passar um pouco dos meus valores, do que eu acho importante na vida, como aprender a se relacionar com o outro com respeito, com empatia.”

Seleção para participar

Para participar, os alunos precisam passar por um processo seletivo, e as turmas têm em torno de 30 pessoas. O projeto é dividido em módulos que “ensinam” competências como autoconhecimento, empatia e empreendedorismo. O final sempre culmina com uma ação de melhoria na escola: pode ser a pintura de uma sala ou a instalação de um ventilador.

No ano passado, a Fly esteve na Escola Estadual Doutor Genésio de Almeida Moura, no Jardim Damasceno, que atende 1.800 alunos do ensino fundamental até EJA, nos três períodos. O trabalho foi aprovado pelo vice-diretor.

“Estamos em um morro e os problemas sociais são grandes. Os alunos não têm acesso a nada, outro dia os levamos ao cinema e foi uma novidade. A Fly faz um trabalho interessante, os alunos começaram a interagir com o ambiente escolar o que não acontecia antes”, afirma o vice-diretor Sidnei Ribeiro Monteiro.

‘Todo mundo tem um potencial gigante’

“Acreditamos que todo mundo tem um potencial gigante e não importa de onde você vem, é possível conquistar seus sonhos, só precisa aprender algumas ferramentas. Acreditamos que todos os problemas são consequências de uma falta de conexão das pessoas com elas mesmas, com as outras, com o mundo e com a natureza”, explica Alejandra.

Para a venezuelana, não importa se o estudante vai ser seguir carreira na engenharia ou na medicina, ou ainda, não fará faculdade. “Me importa o fato de que ele começou a se valorizar de uma maneira diferente, começou a acreditar em si mesmo.” Ela conta que a transformação dos participantes é “mágica”, bem como o feedback de alunos e docentes.

Neste ano, duas escolas receberam o Festival ODS, que é uma semana de atividades ligadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) definidos pelas Nações Unidas. Foram abordados temas como prevenção da violência da mulher, igualdade de gênero, empoderamento negro, entre outros, com uma linguagem adaptadas para os adolescentes.

Procuramos parceiros que toparam fazer as oficinas e conseguimos até uma banda para fazer uma apresentação musical no encerramento.

Assim que Alejandra atingir o objetivo de tornar a ONG autossustentável, seja por meio de patrocínios ou vendendo o projeto para escolas particulares, quer levá-la na Venezuela. “Não vejo como meu país vai conseguir sair da ditadura, esse é um tema que me dói.”

 

*Este artigo foi publicado originalmente pela equipe Porvir em 19/02/2019

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