A sala de aula como palco: o teatro na construção do autoconhecimento

Muito se pensou e escreveu sobre a produção e o acesso à arte nas sociedades contemporâneas. Historicamente,  o teatro brasileiro serviu a uma moralidade comprometida com determinados interesses políticos e religiosos: desde a colonização e seus catecismos, até popularizar-se, o que só começou a acontecer, de fato, bem no início do século XX, quando as discussões que promovia começaram a esbarrar em questões de interesse próprio da população.

Pensando no cenário atual ― teatros fechando; quando abertos, quase vazios; geralmente localizados nas grandes cidades; cada vez mais sujeitos à ingerência da política institucional ― será que, de fato, houve uma popularização? Se não, poderíamos falar em uma marginalização? Recuperar suas margens nos traria quais possibilidades de atuação? Ou o Teatro terá sido sempre voltado às elites, e assim será?

A partir desses questionamentos, penso na necessidade de valorizar o fazer teatral para efetivamente ampliar sua popularidade, necessária se pensarmos que o teatro é uma ferramenta extremamente potente em mobilizar indivíduos no sentido de autoconhecimento e autoafirmação: essa linguagem quase sempre nos convida a questionar e discutir quem somos, seja por meio de uma visão privilegiada sobre o corpo ou sobre contar histórias que apresentem possibilidades de identificação e/ou crítica do lugar de si e do outro no mundo.

O teatro na construção do autoconhecimento

Certa vez, tive a oportunidade de ministrar oficinas de teatro com adolescentes em um projeto social realizado em um residencial do programa Minha Casa Minha Vida, no interior de São Paulo. Eram constantes os momentos de reflexão, em meio a conversas e dinâmicas, desenvolvendo desde olhares sobre desigualdades até suas consequências repressivas. Os encontros se enfeitavam de profundos relatos que geravam mobilização coletiva para serem transpostos em cenas.

Em tempos de sala de aula povoada por aparelhos eletrônicos, de discussões sobre a virtualização da vida, o Teatro ainda movimenta espaços e discussões sobre sua relevância para a prática pedagógica, para além.

Várias são as experiências escolares onde o Teatro aparece como um componente curricular autônomo na rotina pedagógica de inúmeras escolas, predominantemente particulares, o que nos distancia da imagem ideal de que todo educando deveria experienciar, em seu período de formação, o prazer do trabalho com o corpo, com as histórias e com o coletivo que o Teatro proporciona. Isso sem falarmos das possibilidades de resistências, principalmente em um cenário de escassez de incentivo financeiro de modo geral, frequentemente denunciadas por artistas e outras profissões relacionadas.

Sendo assim, questiono, qual a importância do Teatro na formação do ser humano? Por que discutir sua relevância no ensino das artes?

Um dos grandes pontos a ser considerado é a relação que esta prática tem com o corpo. A preparação e os exercícios de teatro podem ser na verdade um encontro grandioso consigo mesmo, um tornar consciente cada pedaço que habita em mim. Além da grande relevância que tem o corpo no pensar o desenvolvimento psicomotor, o condicionamento físico, respiração, etc.

Acredito que o mais incrível é que tudo isso é atingido da forma mais próxima da criança, que é o brincar. O trabalho de corpo é realizado através de exercícios de aquecimento que buscam a presentificação para atingir um estado de alerta. Uma das ferramentas mais usadas para fazer o trabalho do corpo acontecer por via da espontaneidade são os jogos teatrais (pesquise sobre essa ferramenta!).

Outro ponto muito relevante para o desenvolvimento pessoal é o quão estimulante o Teatro pode ser socialmente, emocionalmente e afetivamente: a formação de um pensamento crítico sobre as relações, os questionamentos sobre as problemáticas do indivíduo socialmente construído, o entendimento de trabalhar essencialmente em grupo.

As ideias do construir em coletivo proporcionam ganhos como o reconhecimento da importância de si e do outro. Os próprios processos do fazer teatral carregam potenciais transformadores para lidar com as situações cotidianas.

No caso de crianças e adolescentes em formação, é importante ressaltar que a construção coletiva de processos é fundamental para aprender a lidar com as diferenças e com a diversidade; o trabalho coletivo não hierárquico gera respeito e diminui a desigualdade. Além do mais, a construção de uma ideia não centrada em apenas um indivíduo é, sem dúvidas, uma forma de aprender a lidar com as frustrações.

A aproximação do Teatro com as crianças e adolescentes no contexto escolar ainda apresenta outras possibilidades de formação profissional, validando essa atividade enquanto profissão e meio de pesquisa.

Quanto ao caráter pedagógico, além do que já foi pontuado, a prática do teatro nas escolas ainda apresenta um forte estímulo à criatividade e ao desenvolvimento intelectual. São muitas as possibilidades para se trabalhar utilizando a leitura e a escrita.

O cotidiano de aula de Teatro é, em boa parte,  voltado para leitura, estudo e escrita de textos, o que exige raciocínio e possibilita a construção de um pensamento pautado na liberdade de criação. Essa mesma liberdade tempera a execução de atividades de “mesa”, como chamamos, contribuindo para uma configuração de sala de aula adoçada de fluidez e espontaneidade. Tanto o trabalho de texto quanto a prática de criação de cenas ampliam o repertório do aluno através da quantidade de referências que podem ser absorvidas.

A criação, de maneira geral, também é um divisor de águas para a construção da autonomia: na medida em que você se vê responsável por qualquer processo, você se sente pertencente a ele.

É interessante pontuar que o Teatro não é só de importância como saber ou prática restrito ao ensino de Artes. Chamo atenção para o seu uso como ferramenta didática para as outras áreas do conhecimento. A dramatização, por exemplo, pode ser uma forma, para além do convencional, de explorar qualquer assunto ou tema, diversificando o ambiente escolar, quase uma garantia de descontração dos humores tristes do ensino regular mais tradicional.

Essa conversa é um ensaio no qual nós podemos caminhar rumo a possibilidades de verdadeiras trocas e uma proposta de pensarmos, enquanto educadores, as levezas possíveis para vivenciar a rotina escolar.

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Equipe

Gabriel Lima Simões

Graduado em Psicologia pelo Centro Universitário de Franca - UNIFACEF e técnico em Teatro pelo SENAC/SP. Atua em grupos de pesquisa, produção de teatro e produção de eventos culturais desde 2012.

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