Future-se: mas para quem?

O Future-se, projeto do Ministério da Educação (MEC) para a gestão de recursos para o Ensino Superior, não parece dar muito futuro às universidades, aos estudantes que querem entrar ou seguir em suas graduações e pesquisas e nem à comunidade geral. O futuro, pro MEC e para sua atual gestão, parece ser o lugar onde não teremos mais espaço e estímulo ao pensamento que objetiva adquirir conhecimento sobre o que precisamos, queremos ou podemos.

Desde o ano passado, as universidades públicas estão sofrendo com cortes e congelamentos de verba, tendo parte das suas atividades e distribuição de auxílios assistenciais afetados, o que atrapalha a permanência dos estudantes nas instituições.

Em abril desse ano tivemos o anúncio dos cortes realizados no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES), o que colocou em risco a continuidade de pesquisas e programas.

A doutora Celina Turchi, médica e cientista brasileira responsável pela pesquisa que ligou a microcefalia ao zika-vírus, já alertava sobre a dificuldade que a ciência estava sofrendo com os cortes e afirmou em entrevista para o El País que: “Pesquisa em saúde pública não é luxo, é uma questão de segurança nacional”.

Pouco depois dessa afirmação e dos anúncios dos cortes, a biomédica e doutoranda Gabriella Pinheiro Alves de Freitas —que trabalha em um estudo na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) sobre uma possível cura de tumores cerebrais, até então incuráveis, utilizando o vírus da zika — soube que não teria acesso à sua bolsa de pesquisa, atrasando assim o início da próxima fase de testes.

Além das pesquisas envolvendo o zika, alguns projetos sobre a febre amarela que estavam sendo desenvolvidos em diferentes fundações em Minas Gerais, também foram estacionados.

Os cortes de verba não foram apenas no pagamento de bolsas, mas também em suprimentos necessários aos laboratórios. Só no estado de Minas Gerais, a falta de verba inviabilizou a continuidade de aproximadamente 1.120 projetos de várias áreas do conhecimento.

O começo do (possível) fim

Tudo isso já parecia um grande pesadelo, mas em julho recebemos uma outra novidade para completar o quadro tenebroso que se encontra a educação pública atualmente.

Sem nenhum tipo de consulta prévia às instituições de ensino vigentes, o MEC apresentou o projeto Future-se, garantindo ser a melhor forma de “salvar as federais”, como afirma o ministro da educação Abraham Weintraub.

O discurso é fortalecer a autonomia das universidades através de três eixos: 1. Governança, gestão e empreendedorismo; 2. Pesquisa e inovação e 3. Internacionalização.

Usando linguagens do marketing publicitário com palavras em inglês como “cases de sucesso”, o MEC apresenta a transformação das instituições acadêmicas públicas em uma estrutura que será desmembrada em pequenas empresas onde organizações sociais, ou seja, empresas já consolidadas, possam investir seu capital em pesquisas do seu interesse, o que vai na contramão dessa suposta autonomia. Empresas poderão inclusive adicionar logotipos e nomes às instituições que receberem seus recursos.

A adesão ao Future-se não se diz obrigatória, porém, por conta de  todos os cortes que as instituições estão sofrendo, a não adesão ao programa pode muito bem indicar o fechamento de universidades.

A Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA), por exemplo, irá encerrar o ano de 2019 com dívidas e um grande déficit orçamentário, mesmo tendo um corte de 100% em inúmeras áreas da instituição como projetos de extensão que ensinavam línguas e integravam a comunidade local, proposta principal da universidade. Pela primeira vez, realizou um chamamento público para buscar fundações de apoio em possíveis parcerias futuras, apesar de ainda não se colocar a favor do Future-se.

A estabilidade dos professores não será mais garantida, pois as universidades que aderirem ao Future-se serão obrigadas a contratar seus educadores via CLT, com o intermédio de organizações sociais; por isso, fazer com que professores acreditem que poderão ganhar mais através de empresas criadas dentro das universidades também é parte do discurso do governo, afinal além de professores serão sócios de um empreendimento.

O Conselho Coordenador de Ensino, Pesquisa e Extensão (COCEPE) da Universidade Federal de Pelotas, em nota de posicionamento em relação ao Future-se, afirmou que:

Propiciar os meios para que os departamentos de universidades/institutos arrecadem recursos próprios, com estímulo à competição entre as unidades, o que em ambientes acadêmicos pode representar um risco ao alcance dos princípios e fins educacionais, na medida em que estimula a competitividade e a concorrência, e não a solidariedade e a partilha, almejadas em espaços formativos.

Será esse o futuro que queremos?

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Equipe

Marita

Estudante de Letras, Artes e Mediação Cultural na UNILA - Universidade Federal da Integração Latino-Americana.

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