O ciberespaço e a educação contemporânea

Quando criança, o acesso à internet era limitado aos finais de semana, contados por pulsos de telefone. Hoje, já adulta, dependo ― em variados níveis ― do acesso à Internet facilitado por redes 3G, 4G e Wi-fi que, por sua vez, estão à minha disposição em larga escala. Esse ambiente, cujo crescimento participei e no qual nascem as crianças da atualidade, é chamado de ciberespaço, que Pierre Lévy define como:

Não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo.

O efeito dessas transformações cada vez mais velozes reflete-se na educação: tudo está disponível na internet e ao alcance dos alunos. Basta um clique e somos soterrados por infinitas páginas com diversos vínculos sobre um mesmo assunto. E se já não existem mais bastiões do conhecimento ― nem na forma de atlas e guias, quiçá na forma do educador tradicional ― qual passa a ser o papel do professor em sala de aula?

Antes de responder a essa pergunta, gostaria falar sobre dois tópicos importantes: o aprendizado em árvore e o aprendizado por hipertexto. O aprendizado em árvore corresponde ao modelo tradicional de transmissão de conhecimento: existe uma ordem de apresentação do contexto, que é hierárquica e linear, partindo sempre de uma mesma fonte ―do professor para o aluno. O aprendizado por hipertexto, ao contrário, é dinâmico. O hipertexto, que segue a lógica da internet, propõe conexões múltiplas e aceita a multivocalidade ― o professor deixa de ser o centro do processo para se tornar parte dele.

Fonte: SILVA, Marco. Educar na cibercultura: Desafios à formação de professores para docência em cursos online, 2010

O aprendizado por árvore é o aprendizado de massa, ao passo que o hipertexto cria vínculos e interação, de forma que um assunto nunca se encerra em si mesmo, mas funciona como porta de entrada para vários outros. O ciberespaço e sua lógica de hipertexto aumenta o potencial de inteligência coletiva dos grupos humanos. E há uma ecologia espontânea e interativa nesse ambiente que nada tem da pretensa frieza que nos fazem acreditar existir nas redes digitais: a comunicação no ciberespaço é natural porque o indivíduo se enxerga enquanto ator na narrativa digital.

E então, a cibercultura tornará o professor um profissional obsoleto? Longe disso. Uma discussão semelhante abalou os alicerces do mercado editorial poucos anos atrás: com o surgimento dos livros digitais muitos especialistas profetizaram a morte dos livros físicos, livrarias e bibliotecas. O que, como pudemos acompanhar, não aconteceu. Assim como o livro digital não destronou o livro físico, a cibercultura não anuncia o fim dos professores, mas aponta para uma mudança necessária nos padrões de aula e transmissão do conhecimento: o papel do professor será mediar esse oceano de conhecimento à disposição dos alunos, funcionando ao mesmo tempo como filtro e condutor de debates, ao mesmo tempo em que enfrenta o desafio de desenvolver as habilidades individuais e coletivas da classe.

Neste ponto acho importante destacar que a cultura digital faze parte das competências gerais exigidas pela Base Nacional Comum Curricular, conforme exposto:

Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva.

Ou seja, a BNCC reconhece o papel da tecnologia na formação educacional. Assim, o estudante deverá dominar o universo digital, fazendo dele uma ferramenta de uso qualificado e ético, ciente de todos os impactos da tecnologia em sua vida e na sociedade.

É claro que não podemos negar os diversos desafios enfrentados pelos professores no atual cenário da educação nacional. Assim, quando falo do espaço primordial da cibercultura na educação falo também das garantias mínimas de formação, qualidade, recursos, infraestrutura, entre outros. Recursos estes que deverão preparar as crianças, adolescentes jovens que estão nas escolas a enfrentar as demandas de um futuro (e, por que não, presente?) hiperconectado, instável e mutável. Afinal, como afirma Pierre Lévy:

Pela primeira vez na história da humanidade, a maioria das competências adquiridas por uma pessoa no início de seu percurso profissional estarão obsoletas no fim de sua carreira (…) Os percursos e perfis de competências são todos singulares e podem cada vez menos ser canalizados em programas ou cursos válidos para todos.

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Equipe

Sol Coelho

Pós-graduado em Book Publishing, agente literário e professor de escrita criativa.

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