O que lives e o Ensino Médio podem ter em comum

Quando eu ocupava uma carteira em sala de aula, em um longínquo Ensino Fundamental que, possivelmente, nem tinha esse nome, eu sentava em fileiras com o professor lá na frente. Sempre estudei em escolas que estavam longe de serem lugares ultraconservadores, mas se eu tivesse uma dúvida, eu levantava o braço e esperava o professor me dar a vez de falar. Quando ele me respondia, eu anotava em meu caderno e apenas acreditava na resposta. Hoje, as coisas não funcionam bem assim. Muito antes de um aluno meu me perguntar qualquer coisa, possivelmente ele já checou no Google. Já achou dezenas de sites com explicações, animações e enredos muito mais interessantes do que eu. Perdi a guerra? 

 

Sem dúvidas, é assim que muitos professores se sentem. Não só educadores, mas os pais também se veem constantemente degladiando contra aqueles pequenos apetrechos eletrônicos que sugam a atenção de crianças e adolescentes. Durante muito tempo, a educação tentou lutar contra a tecnologia, enxergando-a como uma inimiga do processo de ensino e aprendizagem. Apenas uma distração, diziam. Eis, talvez, o conflito mais latente em nosso tempo no que tange educação: professores que foram ensinados de um jeito que não funciona mais para os alunos do século XXI. Diversas formações docentes são, então, focadas justamente nisto: como lidar com essa diferença geracional? 

 

Já está mais do que na hora de docentes enxergarem a tecnologia não como uma inimiga, mas uma aliada. Em escolas com amplo acesso a recursos tecnológicos (ainda a minoria absoluta no Brasil, é verdade, mesmo nas escolas particulares), é necessário fazer uso desses recursos de forma que a sala de aula fique mais atrativa. Se os alunos vão procurar no Google as respostas, essa é uma excelente oportunidade para lançar mão de uma sala de aula invertida, na qual o professor é um mediador da aprendizagem e os alunos podem fazer pesquisas, formular hipóteses embasadas e, por fim, apresentar os frutos ao restante da turma. O professor não precisa ser sempre o único detentor do conhecimento – mesmo porque ninguém é.  

 

A partir das tecnologias pode-se incentivar também a discussão acerca das melhores formas de se buscar informações na rede, fugindo de outro grande problema do nosso tempo: as fake news. Algumas instituições oferecem excelentes recursos para que o professor trabalhe esse diálogo em sala. Há muitas outras questões que merecem também nossa atenção, como a superexposição e mesmo o cyberbullying, mas se continuarmos olhando para a tecnologia como uma inimiga iremos, inevitavelmente, perder a guerra. Logo, se não podemos vencê-la, portanto, que nos juntemos a ela.  

 

Hoje, passamos por um momento educacional singular. A quarentena resultante da covid-19 acelerou mundialmente os avanços tecnológicos nos ambientes escolares. No Brasil, a Reforma do Ensino Médio, aprovada em 2017, trouxe diversas discussões para o panorama da educação nacional. Entre os vários argumentos, a possibilidade de dedicar parte da carga horária dos alunos ao ensino à distância.  

 

Apesar do intenso movimento de adequação das aulas físicas às aulas virtuais, A educação à distância não é uma novidade no Brasil ou no mundo (você pode aprender mais clicando aqui). Desde os cursos por correspondência até o já extinto Telecurso 2000, sente-se a necessidade de complementar (ou mesmo ser a única opção) de formação que não seja presencial. Nos anos 2000, com o boom dos cursos online para vestibulares, essa realidade tomou conta de boa parte dos estudantes que estavam prestando algum concurso ou o ENEM. Hoje, há cursos universitários de graduação e pós-graduação inteiramente online, exigindo a presença do aluno apenas para realizar provas. Esse assunto, inclusive, insurgiu em polêmica com a proposta de ensino básico domiciliar, proposto pelo governo este ano. 

 

De fato, existem muitas vantagens no ensino à distância. Uma delas – e talvez a maior – seja a otimização do tempo. Em uma realidade cada vez mais corridas, a dicotomia entre estar no mercado de trabalho e se sobressair nele com competências e saberes a mais encontra no EAD uma fórmula de sucesso: o profissional pode trabalhar e, no seu tempo, ganhar mais instrução e melhorar seu currículo. Ao observar as redes sociais de educadores e agentes da educação nesse momento atual, podemos notar o aumento do número de compartilhamento de certificados de conclusão de cursos de curta e média duração. Começamos a nos adaptar a aprendizagem a partir de diferentes estruturas; para muitos, estruturas inéditas. 

 

Além disso, a intimidade do homem contemporâneo com os meios digitais facilita esse processo. Veja como o recurso das lives – modelo de vídeos ao vivo que diversas redes sociais oferecem – está sendo utilizado pelos professores, por exemplo. Pensando nessa facilidade com as mídias digitais, a Reforma autoriza que até 200h (de um total de 3000) dos 3 anos de Ensino Médio sejam de disciplinas online, à distância. Estamos falando aqui de jovens de 15 a 17 anos que, já partícipes do universo digital, complementariam sua formação no segmento. Isso otimiza e facilita a vida.  

 

Há, no entanto, um importante empecilho no que tange a realidade brasileira. Sabemos de todas as desigualdades sociais e econômicas que existem em nosso país. Sabemos, também, que há enormes discrepâncias entre o ensino público e o privado, tendo este segundo muito mais investimentos e possibilidades que o primeiro. Nesse sentido, não é trivial achar que as facilidades o EAD chegariam a todos os nossos estudantes de Ensino Médio. Pelo contrário, se talvez apenas uma parcela tivesse acesso a isso, é possível que as diferenças se agravem ainda mais. É preciso um projeto sério de governo para viabilizar e garantir o acesso a recursos online a todos os estudantes de escolas públicas do Brasil, mesmo com toda sua vastidão territorial. Permitir que parte do ensino médio seja à distância é uma proposta de aproximação com o mundo pós-moderno, mas precisa ser feita com projeto, processos de implementação e fiscalização sérios para garantir o seu sucesso. 

 

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