O que significam as mudanças previstas para o Enem?

O Ministério da Educação (MEC) anunciou recentemente o projeto que tornará digital o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). Em linha gerais, a proposta é fazer uma implementação progressiva das provas de papel para o formato digital, começando o piloto a partir de 2020 em 15 capitais do país para um total de 50 mil estudantes — 1% do total de inscritos no exame. A ideia do MEC é abolir as provas de papel até 2026, mantendo apenas a versão digital.

A medida dividiu opiniões dentro da comunidade escolar. Ao mesmo tempo em que dados da OCDE (2015) afirmam que cerca de 73% dos estudantes brasileiros possui um computador em casa — e que a habilidade com formatos digitais seja prevista pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) —, a estrutura das escolas apresenta uma taxa de 22 alunos por computador em sala de aula. Além disso, cerca de 20% das escolas públicas brasileiras de ensino médio não conta com banda larga, de acordo com o Censo Escolar 2018.

Os efeitos da digitalização do Enem para a escola e para os alunos

Um dos principais argumentos a favor da digitalização do ENEM diz respeito à própria BNCC. A Base prevê cinco itinerários, entre matemática, linguagens, ciências da natureza, ciências humanas e ensino técnico. Embora as escolas precisem se adaptar a essas mudanças até 2020, não serão obrigadas a oferecer todos os itinerários formativos. Dessa forma, no momento da inscrição no Enem, o aluno poderá selecionar o itinerário que cursou, obrigando a prova a ter múltiplas versões, tornando-a mais complexa e aumentando os custos de produção.

Por outro lado, a digitalização da prova carece de propostas que garantam infraestrutura e capacitação para que escolas públicas efetivamente consigam trabalhar com seus alunos a questão da inclusão digital. Conversamos com o professor Jaime Guimarães, da rede estadual de ensino da Bahia. Sobre os impactos da digitalização do Enem, ele não parece otimista:

O governo afirma que até 2026 todo o ENEM será digital. Bem, para isso acontecer será preciso uma grande mudança tanto em relação à infraestrutura quanto na parte pedagógica das escolas. A questão estrutural é óbvia: escolas com computadores ou notebooks (ou tablets) com internet banda larga e assistência técnica para as máquinas. Não temos isso nas escolas — ou melhor, temos no papel: no Censo Escolar há realmente muitas unidades com computadores e sala de informática, mas a realidade é a constatação: parte considerável destes computadores está sem condições de uso, quebrados e a sala de informática é usada para depósito de livros didáticos antigos e até mesas e carteiras.

O que se percebe é a ausência de uma estratégia unificada entre União, Estados e Municípios que preveja avanços reais em prol da qualidade do ensino no Brasil, com a priorização das demandas básicas de educação do país, além das políticas públicas previstas pela legislação.

Trabalhando para um futuro inclusivo na educação

Esses são apenas alguns dos problemas com que o MEC precisará lidar nos próximos anos, todos apontando na mesma direção: a desigualdade. A digitalização da prova é um movimento que primariamente beneficiará escolas particulares com recursos e alunos que venham de famílias com maior renda. Como reflete Rosemery Oliveira, doutora em Educação e professora da Uneb, afirma:

A gente tem uma ideia de que todo mundo hoje tem intimidade com o meio digital. Tenho alunos que dominam bem os aplicativos de jogos, mas que têm dificuldade de lidar com ferramentas básicas como o word. É preciso entender que o público do Enem é muito mais variado que o de uma prova específica.

Uma prova nacional como o ENEM deve ser embasada nas leis e documentações brasileiras sobre a Educação. Em um cenário em que a BNCC e o Novo Ensino Médio estão sendo implementados deveria-se ter como propósito alguns princípios fundamentais como a igualdade e a equidade, ou seja, o direito de aprender de todos, mas também o reconhecimento de que as necessidades dos estudantes são diferentes. Sendo nítida a necessidade de se atrelar mudanças como essa à políticas educacionais que preparem as escolas, em especial às da rede pública.

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