Escola no bosque convida pais e filhos para experiência de educação integral

Este artigo foi publicado originalmente pela equipe Porvir em 05/02/2019

Localizada em um bosque na cidade de Guaporé, a 192 quilômetros de Porto Alegre, a Cidade Escola Ayni tem um lema: “Deixem as crianças em paz. Quem precisa de escola são os adultos”. Criada em outubro de 2015, a Ayni amplia o conceito de educação integral e propõe tirar os seres humanos da “normose’, ou seja, da matrix de uma sociedade inserida na competitividade, comparação, ilusão e ansiedade.

A palavra “Ayni” é de origem inca e quer dizer cooperação, solidariedade e reciprocidade. A escola é um convite ao ser humano para praticar uma forma diferente de se relacionar consigo mesmo, com a terra e com os ciclos da vida. Idealizada por Thiago Berto, um jovem empresário bem-sucedido da área de tecnologia, que decidiu largar tudo para viajar o mundo e conhecer diversos projetos pedagógicos em países tão diferentes quanto Estados Unidos, Espanha, Peru e Butão.

Quando voltou, Thiago foi para sua cidade natal, na Serra Gaúcha, e conseguiu com o prefeito de Guaporé a concessão por 20 anos de um parque ecológico de 45 mil metros quadrados lançando a semente do que seria a Cidade Escola Ayni.

Apesar de não se prender a nenhuma teoria ou prática pedagógica, a escola se estrutura em quatro eixos principais, que são:

1) Educação Viva: consciente e com olhar individual para o ser humanos;
2) Economia Circular: consumir menos e viver em abundância com o suficiente;
3) Agroecologia: respeito pelos ciclos da natureza;
4) Sagrado: saber lidar com a ancestralidade, o feminino e o masculino.

“A intenção é desenvolver um ser humano integral, conectado com a natureza e com ele mesmo”, explica a pedagoga Ana Paula Zatta, que é uma das guardiãs da Ayni, como se autodenomina a equipe que trabalha na gestão.

Aqui nós matriculamos os pais e os filhos ganham uma vaga.

A escola abriu sua primeira turma de crianças em março de 2018, atendendo de 3 a 7 anos. O objetivo era trazer não apenas a criança, mas toda a família para o centro do projeto. “Aqui nós matriculamos os pais e os filhos ganham uma vaga”, brinca Thiago. Para serem aceitos na escola, as famílias passam por um processo de triagem com vivências coletivas e conversas individuais sobre os filhos e a dinâmica familiar.

A Ayni funciona no contraturno, portanto as crianças não deixem a escola formal. Outra exigência é que, apesar de gratuita, os pais precisam se dedicar ao menos uma hora por semana nas atividades da escola, seja trabalhando na horta, nas atividades de infraestrutura e bioconstrução. Além disso eles precisam participar de cursos de (des)formação, como são chamadas as vivências na Ayni.

Aliás, os cursos são o carro-chefe da escola e atendem não apenas as famílias matriculadas, como gente de todo o Brasil que vêm conhecer o projeto in loco. Em três anos de existência, os cursos já receberam mais de 1.800 pessoas. Outros 7 mil participantes passaram por dinâmicas ou palestras ministradas por Thiago Berto em dezenas de cidades do país.

Foi o caso de Luciana e o Diogo Lobo, pais de Beatriz e João Pedro, de 7 e 5 anos, que conheceram o projeto Ayni em um congresso sobre felicidade, e saíram de Recife para um retiro de uma semana em Guaporé. “Íamos para Portugal, mas optamos por priorizar uma viagem em família com enfoque no autoconhecimento”, conta Luciana. Para ela, o período de imersão na pedagogia Ayni foi enriquecedor. “Somos pequenos demais diante da imensidão do universo mas trazemos a essência do divino. As crianças estão mais conectadas com essa essência e por isso devem ser deixadas livres com autonomia responsável”, explica Luciana, que diz que um dos principais aprendizados do retiro foi cultivar o estado de atenção e presença que conectou toda a família.

Seja nos retiros, dinâmicas ou vivências para adultos, crianças e jovens, as experiências com a pedagogia Ayni são bastante inspiradoras para todos que participam. Os temas vão do resgate da criança interior à cura e espiritualidade, entremeado de danças circulares e partilhas entre as pessoas. “A força do grupo nos faz sentir mais fortes e protegidos para mostrarmos nossas vulnerabilidades, sabendo que seremos aceitos”, afirma Diogo Lobo.

Embora difícil de explicar em palavras, a pedagogia Ayni é transformadora para todos que já participaram e conquistou simpatizantes e apoiadores de todo o país como o empresário Marcos Bordin que se mudou com a família para Guaporé para auxiliar no desenvolvimento e consolidação do projeto. Para ele, vivenciar as experiências da Ayni é como sentir o perfume de uma rosa. “Não dá para descrever, só experimentando para saber”, afirma.

Ambiente livre
Desde sua criação, a Ayni vem sendo desenvolvida por meio da Permacultura, um conceito de cultura permanente que se baseia na observação dos ecossistemas naturais e propõe viver de maneira mais sustentável.

A bioconstrução é uma dessas vertentes. As casinhas da cidade escola onde funcionam os ateliês, as salas e espaços de aprendizagem são feitas com hiperadobe, uma técnica que usa areia e terra criando barro que são colocadas em sacos vazados e alinhados em paredes circulares. As bioconstruções redondas com janelas enfeitadas de garrafas vidros em formatos de bichos tem aberturas que deixam entrar a luz do sol e não precisam de iluminação artificial, se harmonizando com a natureza e criando um ambiente lúdico para as crianças.

No ateliê das crianças, adornado com móveis de madeiras em formato de folhas, borboletas e flores, as crianças ficam completamente livres para fazer o que quiserem. Nada é direcionado. Cada criança tem o seu tempo e escolhe suas próprias atividades. Nem para comer tem horário regrado. Cada uma se alimenta a hora que sentir fome.

“Nós tiramos o controle e colocamos a confiança no lugar”, explica Ivana Jauregui, uma uruguaia que viveu 14 anos em Piracanga, no sul da Bahia, onde ajudou a fundar a escola Inkiri, e se mudou há um ano para Guaporé para trabalhar no projeto Ayni. Trouxe consigo o conceito da pedagogia viva e consciente, um movimento que trabalha a autonomia do ser humano integral, conectado com a sua essência.

Ivana conta que as crianças chegam à escola e não sabem como agir porque já foram condicionadas a obedecer. “Uma vez um menino de 5 anos parou na minha frente e disse: estou com fome. Ele esperava que eu desse comida pra ele e orientasse todo o processo. E eu simplesmente respondi: E o que vc vai fazer? No início, ele ficou paralisado, mas depois foi e pegou uma maçã por sua própria conta e me pediu para descascar. Aí eu fui e fiz o que ele pediu, mas o protagonismo foi todo dele. Ele estava com fome, pensou o que fazer e resolveu seu problema.”

Ivana é uma das ativistas da aprendizagem viva e faz parte de uma rede de escolas por todo o mundo que propõe esse novo modo de encarar a educação. Para ela, o papel das guardiãs na Ayni é cuidar da harmonia do ambiente para que os “pequenos mestres” possam exercitar sua curiosidade e plenitude. “A gente não precisa ensinar nada. Basta estar atento, sem pré-julgamento, e contemplar as descobertas que eles fazem”

As crianças só precisam pedir autorização para irem ao bosque por causa da segurança. Mesmo assim, as atividades são livres e vivenciadas de acordo com o interesse dos pequenos. No parquinho, os brinquedos de madeira não tem as estruturas convencionais e o dia a dia acontece de forma mais natural e orgânica possível, sem programação prévia. “Todo momento aqui é sagrado e olhamos cada criança como única”, completa Ivana.

Diferente das escolas tradicionais, não separação por idade, nem qualificação. Os resultados são avaliados a partir das descobertas individuais e o empoderamento da criança. Para isso, é preciso conhecer de perto e criar vínculos com as famílias que recebem visitas mensais e participam ativamente do processo de aprendizagem. “Somos parceiros nessa jornada”, afirma Ana Paula Zatta que faz o acompanhamento com cada família.

Ela tem liberdade para exercitar sua curiosidade e gasta a maior parte do tempo dedicada aos desenhos e aos trabalhos artísticos.

Carolina Fonseca é uma das mães que fazem parte dessa comunidade. Nascida em Caxias do sul, ela morou 15 anos na Suíça e se mudou com marido e a filha Lara para Guaporé em 2018. A menina de 5 anos demorou a se adaptar à região, por conta da língua, da alimentação e da interação com outras crianças. Ela está matriculada na educação infantil de uma escola tradicional na cidade e passa as tardes na Ayni. Em um ano, a mãe já percebeu a abertura da filha às novas experiências. “Ela tem liberdade para exercitar sua curiosidade e gasta a maior parte do tempo dedicada aos desenhos e aos trabalhos artísticos. Em suas palavras de criança, Lara diz que na Ayni pode ser ela mesma, não precisa seguir as regras que não entende”, conta Carolina.

Em 2019, a Ayni passará a atender também alunos de 8 a 14 anos sem salas de aula ou divisão de turmas. Além dos ambientes já existentes, eles terão a sua disposição um laboratório maker com telescópio, impressora 3D e artefatos de robótica e física para práticas de aprendizagem livre.

Agroecologia e voluntariado

Outro pilar forte da escola é a Agroecologia, inspirada na sabedoria e ciclos da natureza. Nos canteiros criados no bosque da Ayni se trabalha com a produção de mudas com semente crioulas – que não foram modificadas geneticamente – para plantar abóbora, batata doce, alface, rúcula, brócolis e tomate. Segundo Érica Canton, a guardiã dessa área, o brasileiro consome em média 8 litros de veneno por ano, o que é extremamente nocivo para o ser humano.

Para cultivar a vida de uma maneira mais sustentável, a Ayni usa matéria orgânica para adubar a terra de duas formas. Primeiro, com a poda das árvores e da adubação verde, que é o sistema integrado com as plantas, e a partir dos canteiros de compostagem onde se aproveita todo lixo orgânico gerado. Os banheiros secos também viram matéria orgânica. “Aqui na Ayni tudo é reaproveitado com o objetivo de fechar o ciclo da natureza”, explica Érica.

Os visitantes da escola são convidados a trocar sementes crioulas e aprendem na prática sobre o plantio e o cuidado da terra, podendo saborear o que é colhido. Um dos papéis mais importantes nesse sistema é desempenhado pelos voluntários, que permanecem de 15 dias a 1 mês e podem participar de todos os processos de cultivo da agrofloresta.

Em três anos, já passaram pela Ayni mais de 400 voluntários de vários países, inclusive da China. Diferente dos retiros e dos cursos, os voluntários se hospedam em uma casa que fica dentro do bosque e podem vivenciar de perto todas as áreas trabalhadas na Ayni: da educação viva ao cultivo da agrofloresta, passando pela bioconstrução e vivências do sagrado feminino e masculino.

Diego Rosa, 31 anos, e Ana Júlia Valentine, 19, de Santa Catarina, são dois voluntários que passaram pela pedagogia Ayni e deixaram nas paredes da casa do bosque seus aprendizados. “A experiência é única. Aprendemos aqui a essência do ser individual e coletivo”, afirma Diego.

É essa energia da colaboração, do afeto, da empatia e da vida em comunidade que a Ayni quer espalhar para outros lugares fora da Cidade Escola. A ideia é que o projeto termine quando acabar o período de concessão pública, em 2035. “Queremos devolver o bosque para a cidade com todas a melhorias feitas dentro dele”, imagina Thiago. “Não queremos criar uma bolha, mas sim inspirar e encorajar as pessoas a criar outras formas de viver”.

* O programa Janelas de Inovação (Futura/Fundação Telefônica) também apresentou a escola

Avalie este conteúdo

Média 4.8 / 5. Votos: 36

Nenhuma avaliação até o momento, seja o primeiro a avaliar.

Relacionados

maio 30, 2025

0
(0)
Público-alvo Professores e gestores de Ensino Fundamental – Anos Finais e Ensino Médio. Sobre o curso A partir das reflexões e estudos propostos neste curso, convidamos educadores do Ensino Fundamental – anos finais e Ensino Médio a conhecerem um pouco mais sobre a depressão,...

maio 08, 2025

0
(0)
Este curso está disponível apenas para escolas parceiras que adotam o Sistema Maxi de Ensino.   Público-alvo Diretores, coordenadores e professores do Ensino Médio das escolas parceiras do Sistema Maxi. Sobre o curso O curso [Sistema Maxi] Imersão 2025 – Ensino Médio foi desenvolvido...

maio 07, 2025

0
(0)
Este curso está disponível apenas para escolas parceiras que adotam o English Stars.   The Macmillan Online Placement Test (OPT) has been designed to help place applicants into groups corresponding to CEFR levels A1 to B2. For more accurate results the Macmillan OPT must be taken with no help from others...
CARREGAR MAIS

Apoio

Inscreva-se para receber comunicações do PROFS